Em um ensaio chamado “Pragmatismo e romanticismo” tentei recolocar o argumento da “Defesa da poesia” de Shelley. No coração do romanticismo, disse, estava a afirmação de que a razão só pode seguir os caminhos que a imaginação abriu primeiro. Sem palavras, não há raciocínio. Sem imaginação, não há palavras novas. Sem palavras novas, não há progresso moral ou intelectual.
Terminei este ensaio contrastando a habilidade do poeta de nos dar uma linguagem mais rica com a tentativa do filósofo de adquirir um acesso não-linguístico ao realmente real. O sonho de Platão por tal acesso foi ele mesmo uma grande descoberta poética. Mas no tempo de Shelley, argumentei, este sonho já havia se esgotado. Nós somos hoje mais capazes de reconhecer nossa finitude — de admitir que jamais vamos entrar em contato com algo maior que nós mesmos. Esperamos, ao invés disso, que a vida humana aqui na terra se tornará mais rica do que nos séculos passados porque a linguagem usada por nossos remotos descendentes terá mais recursos do que a nossa tinha. Nosso vocabulário estará para os deles como os dos nossos ancestrais primitivos estavam para os nossos.
Neste ensaio, como em escritos anteriores, usei ‘poesia’ em sentido largo. Expandi o termo de Harold Bloom ‘poeta forte’ para cobrir escritores de prosa que inventaram novos jogos de linguagem para jogarmos – pessoas como Platão, Newton, Marx, Darwin e Freud tanto quanto os versistas como Milton e Blake. Esses jogos podem envolver equações matemáticas, ou argumentos indutivos, ou narrativas dramáticas, ou (no caso dos versistas) inovação da prosódica. Mas a distinção entre prosa e verso era irrelevante para meus propósitos filosóficos.
Pouco depois de ter terminado de escrever “Pragmatismo e romanticismo” fui diagnosticado com um câncer inoperável no pâncreas. Alguns meses depois de ter sido informado sobre as más notícias, estava sentado tomando café com meu filho mais velho e uma prima que estava me visitando. Minha prima (que é uma pastora da igreja batista) me perguntou se eu havia encontrado meus pensamentos se virando em direção a temas religiosos, e eu disse que não. “Bem, e quanto à filosofia?”, meu filho perguntou. “Não”, respondi, nem a filosofia que havia escrito nem a que havia lido parecia ter qualquer ligação com a minha situação. Não tinha nenhum problema com o argumento de Epicuro de que é irracional sentir medo da morte, nem com a sugestão de Heidegger de que a ontoteologia origina-se na tentativa de fugir da nossa mortalidade. Mas nem ataraxia (liberdade de perturbação) nem Sein zum Tode (ser em direção à morte) me pareciam ser o ponto principal.
“Nada do que tem lido tem sido de alguma utilidade?”, insistiu meu filho. “Sim”, falei sem pensar, “poesia”. “Quais poemas?”, perguntou. Citei duas velhas castanhas que havia recentemente escavado da memória e que estranhamente estavam me encorajando, os versos mais citados do “Jardim de Proserpine” de Swinburn.
Agradecemos com breve agradecimento
Quaisquer deuses que possam existir
Pois ninguém dura para sempre;
Pois homem morto jamais se levanta;
Pois mesmo o rio mais cansado
Sopra para algum lugar seguro no mar.
e “Em seu aniversário de setenta e cinco anos” de Landor:
Natureza amei, e, próximo à natureza, arte;
Esquentei ambas as mãos diante do fogo da vida,
Ela afunda, e estou pronto para partir.
Encontrei conforto neste meandro lento e nestas brasas gaguejantes. Suspeito que nenhum efeito comparável poderia ser provocado pela prosa. Não apenas imagens, mas também rima e ritmo foram necessários para fazer o trabalho. Em linhas como essas, todos os três conspiram para produzir um grau de compressão, e assim de impacto, que apenas o verso pode alcançar. Comparada com as emoções moldadas tramadas pelos versistas, mesmo a melhor prosa é dispersa.
Apesar de diversos pedaços de verso terem tido grande significados para mim em momentos particulares da minha vida, jamais fui capaz de escrever algo pessoal (a não ser rascunhar sonetos durante reuniões departamentais entendiantes – uma maneira de rabiscar). Nem estou em dia com o trabalho dos poetas contemporâneos. Quando leio versos, na maioria das vezes se trata dos meus favoritos da adolescência.
Suspeito que minha ambivalência com relação à poesia, neste sentido restrito, seja o resultado de complicações edipianas produzidas por ter tido um poeta como pai (ver James Rorty, Children of the Sun - Macmillan, 1926).
Como quer que tenha sido, agora gostaria que tivesse passado mais tempo da minha vida com versos.
Isso não é porque tema ter perdido as verdades que são incapazes de serem afirmadas em prosa.
Não existem tais verdades; não existe nada sobre a morte que Swinburne e Landor soubessem, mas que Epicuro e Heidegger fracassaram em descobrir. Ao contrário, é porque teria vivido mais plenamente se tivesse sido capaz de recitar mais velhas castanhas – da mesma forma que também teria se tivesse tido mais amigos íntimos. Culturas com vocabulários mais ricos são mais plenamentes humanas – mais distantes das bestas – do que as mais pobres; homens e mulheres individuais são mais completamente humanos quando suas memórias estão amplamente estocadas com versos.
Trad. Susana de Castro
Rorty lendo a Dialética do Esclarecimento: http://www.youtube.com/watch?v=svMs2ZcTU5c&feature=relmfu
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