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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Confissão


Carlos Drummond de Andrade


Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.

Do que restou, como compor um homem
e tudo o que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, múrmurios
de riso, entrega, amor e piedade?

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doido-
que se esfacelou na asa do avião.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Soneto de Mário Faustino










Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler

À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.

Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso

Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.

                                                 Mário Faustino






O homem e sua hora
               

Autor de uma das mais consistentes coletâneas de poesia da década de 1950, O Homem e sua hora (1955), Mário Faustino foi o primeiro a praticar, com exclusividade, a crítica de poesia, principalmente na página, de cunho didático, Poesia-Experiência, do Suplemento dominical do Jornal do Brasil, na mesma década, por ele organizada e publicada. A poesia de Mário é uma singular mistura de tradicionalismo e anti-tradicionalismo, em mútua intercorrência com a crítica. É a poesia de um poeta que também foi crítico e que foi crítico como poeta.

Mas venham de onde vierem, de seu único livro, O Homem e sua hora, dos poemas que avulsamente publicou na imprensa ou dos “fragmentos” póstumos, os versos de Mário Faustino revelam sempre, num jogo de contrários, além da mesma temática – o amor, o sexo, a morte, a busca da imortalidade, e o ambíguo poder da linguagem poética – a preponderância do verso realçando o substrato mágico e mítico da linguagem poética, como nos “Sete sonetos de Amor e Morte”, que seguem a sugestão da trágica fraternidade dos versos de Leopardi: “Como irmãos engendrou a sorte, ao mesmo tempo, Amor e Morte” (Fratelli a um tempo stesso amor e morte ingenerò la sorte). De encontro à projeção dramática da sujetividade tensa, universalizando o Eu como contedor do mundo, sob a carga mítica da cultura clássica e do cristianismo, são versos densamente metafóricos e alusivos, que abrangem diferentes tonalidades, como o canto, o louvor, o vaticínio ou a sagrada invocação como nesses versos do poema-título de O Homem e sua hora: “Aqui Sábia sombra de João, fumo sacro de Febo, / Venho a Delfos e Patmos consultar-vos, / Vós que sabeis que conjunções de agouros / E astros forma esta Hora, que soturnos / Vôos de asas pressagas este instante”.

Temos aí, com essa metamorfose lúdica do Ego, o embalo da grande lírica moderna do sobressalto metafísico, da revivescência órfica e da rememoração histórica: uma lírica politonal, combinando várias tonalidades a unidades de cunho narrativo, e também uma lírica reflexiva porque acolhe o pensamento, a inteligência abstrata ao lado da ressonância intuitiva e onírica da imagem, como no órfico soneto decassílabo Nam Sybillam” (“É certo, Sybila), escrito à maneira inglesa, com os dois versos finais em timbre de augúrio.

Nessas duas escalas do politonal e do reflexivo perfaz-se a fisionomia crítica da poesia de Mário Faustino. A crítica, que não lhe vem por acréscimo, decorre de seu movimento interno: a procura do novo sem perda da tradição, mediante três maneiras características que garantiram a união do poeta crítico ao crítico poeta.

Poeta-crítico. Como afirmava Novalis, só é crítico de poesia quem sabe fazê-la. A poesia só pode ser criticada pela poesia (Schlegel). Ainda Schlegel: verdadeiro crítico, autor elevado à segunda potência.

Mário percorreu três estilos de poesia crítica. Do poeta crítico ao crítico-poeta. Poesia realizada como arte: uma aprendizagem da vida e da poesia.

Intérprete de seu tempo, o poeta também serve a necessidades ancestrais. Mário: apologético da vida, ao mesmo tempo artesão competente da palavra e profissional do conhecimento.
         
        Belém, 2004