Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado.
O homem
e sua hora
Autor
de uma das mais consistentes coletâneas de poesia da década de 1950, O Homem e sua hora (1955), Mário
Faustino foi o primeiro a praticar, com exclusividade, a crítica de poesia,
principalmente na página, de cunho didático, Poesia-Experiência, do Suplemento dominical do Jornal do Brasil,
na mesma década, por ele organizada e publicada. A poesia de Mário é uma
singular mistura de tradicionalismo e anti-tradicionalismo, em mútua
intercorrência com a crítica. É a poesia de um poeta que também foi crítico e
que foi crítico como poeta.
Mas
venham de onde vierem, de seu único livro, O
Homem e sua hora, dos poemas que avulsamente publicou na imprensa ou dos
“fragmentos” póstumos, os versos de Mário Faustino revelam sempre, num jogo de
contrários, além da mesma temática – o amor, o sexo, a morte, a busca da
imortalidade, e o ambíguo poder da linguagem poética – a preponderância do
verso realçando o substrato mágico e mítico da linguagem poética, como nos
“Sete sonetos de Amor e Morte”, que seguem a sugestão da trágica fraternidade
dos versos de Leopardi: “Como irmãos engendrou a sorte, ao mesmo tempo, Amor e
Morte” (Fratelli a um tempo stesso amor e
morte ingenerò la sorte). De encontro à projeção dramática da sujetividade
tensa, universalizando o Eu como contedor do mundo, sob a carga mítica da
cultura clássica e do cristianismo, são versos densamente metafóricos e
alusivos, que abrangem diferentes tonalidades, como o canto, o louvor, o
vaticínio ou a sagrada invocação como nesses versos do poema-título de O Homem e sua hora: “Aqui Sábia sombra
de João, fumo sacro de Febo, / Venho a Delfos e Patmos consultar-vos, / Vós que
sabeis que conjunções de agouros / E astros forma esta Hora, que soturnos /
Vôos de asas pressagas este instante”.
Temos
aí, com essa metamorfose lúdica do Ego, o embalo da grande lírica moderna do
sobressalto metafísico, da revivescência órfica e da rememoração histórica: uma
lírica politonal, combinando várias tonalidades a unidades de cunho narrativo,
e também uma lírica reflexiva porque acolhe o pensamento, a inteligência
abstrata ao lado da ressonância intuitiva e onírica da imagem, como no órfico
soneto decassílabo Nam Sybillam” (“É
certo, Sybila), escrito à maneira inglesa, com os dois versos finais em timbre
de augúrio.
Nessas
duas escalas do politonal e do reflexivo perfaz-se a fisionomia crítica da
poesia de Mário Faustino. A crítica, que não lhe vem por acréscimo, decorre de
seu movimento interno: a procura do novo sem perda da tradição, mediante três
maneiras características que garantiram a união do poeta crítico ao crítico
poeta.
Poeta-crítico.
Como afirmava Novalis, só é crítico de poesia quem sabe fazê-la. A poesia só
pode ser criticada pela poesia (Schlegel). Ainda Schlegel: verdadeiro crítico,
autor elevado à segunda potência.
Mário
percorreu três estilos de poesia crítica. Do poeta crítico ao crítico-poeta.
Poesia realizada como arte: uma aprendizagem da vida e da poesia.
Intérprete
de seu tempo, o poeta também serve a necessidades ancestrais. Mário:
apologético da vida, ao mesmo tempo artesão competente da palavra e
profissional do conhecimento.
Belém,
2004
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